CINCO DIAS

Por Roger Adan Chambi Mayta

¡Roger! ¡Roger!, minha mãe gritava neste tom de voz quase chorando que sempre traz más notícias, o mesmo tom que ela usou aquela vez para me avisar sobre a morte de papá. ¡Roger! ¡Roger! , ela não podia pronunciar bem as palavras, ¡La tía Gregoria ha muerto!

Nos reunimos com meu irmão no quintal de casa, minha mãe continuava em pranto, “Mi hermanita se ha ido, qué voy a hacer, con quien voy a hablar?”, dizia enquanto limpava os olhos com as pontas da manta.  

 O corona vírus acabava de levar um membro da nossa família e não podíamos fazer quase nada para acompanhar o corpo da minha tia, já que o governo proibiu as aglomerações em velórios de mortes por COVID-19, e se notava também que em cada um de nós existia um temor de sermos as seguintes vítimas. Ainda que a nossa vontade fosse estar ao lado da tia Gregoria, tia que sempre nos acompanhou em vida, a pandemia nos obrigava a permanecer em casa.

Quinze minutos depois, a tia Teresa nos ligou pedindo para que nós procurássemos caixão no meu bairro, porque no bairro da minha tia os meus primos não conseguiram encontrar uma funerária que atenda mortos por COVID-19. As políticas do governo boliviano haviam criado todo um protocolo burocrático e caro para atender as vítimas da pandemia.

¿Qué mal hemos hecho para que nos castiguen así? Minha mãe dizia chorando, e repetiu esta frase nos seguintes cinco dias depois da morte de sua irmã. Tia Gregoria passou cinco dias sem poder ser enterrada. Embora meus primos tenham conseguido o caixão, mais tarde surgiu o problema de encontrar um cemitério. Os cemitérios da cidade estavam saturados pela quantidade de mortes e as cremações se encareciam cada dia mais. A tia Gregoria passou cinco dias em um caixão sem poder ser enterrada, sozinha em um quarto, sem a companhia física das suas irmãs.

A morte da nossa tia e o inferno que nossos primos atravessavam nos levaram a tomar mais cuidado na família, as mortes por COVID-19 já não eram vistas somente pela televisão ou pela internet, agora estavam presentes na vizinhança, no bairro, afetando a familiares e amigos.

Já passaram cinco dias do enterro da tia Gregoria e minha mãe, meu irmão menor e eu perdemos o paladar, o olfato e sentimos febre. Chegamos ao ponto de aceitar que é necessário aprender a conviver com o COVID-19. Não existe remédio, as farmácias não têm para vender nem um paracetamol ou ibuprofeno, nossos médicos de confiança estão com sintomas do vírus.

Hoje estamos em isolamento à base de remédios que nossos avós nos deixaram, as medicinas naturais, infusões e ervas. Estas medicinas que foram desprestigiadas pela medicina “oficial” e que, hoje, estão ajudando a aliviar as dores da febre. Minha mãe tem dificuldade em se acostumar a ficar trancada no quarto, sozinha. Toda a vida ela esteve nas feiras, vendendo seus produtos, conversando com as pessoas, acompanhada por pessoas, bem como a vida de muitos comerciantes aymaras que vivem na cidade de El Alto, na Bolívia, mas também como a vida de sua irmã, a Tia Gregoria. Acompanhando e sendo acompanhada.


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